STJ, EM LIMINAR, DERRUBA PARCIALMENTE SEQUESTRO DE BENS DA EMBRASYSTEM E BBRASIL

STJ, EM LIMINAR, DERRUBA PARCIALMENTE SEQUESTRO DE BENS DA EMBRASYSTEM E BBRASIL

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de João Francisco de Paulo, Jefferson Bernardo de Lima e de José Fernando Klinke, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Depreende-se dos autos que o Ministério Público Federal formulou pedido para a decretação de medidas cautelares contra os pacientes, nos moldes do seguinte relatório elaborado pelo Juiz Federal Substituto da Sexta Vara Criminal:

De acordo com a representação do Ministério Público Federal, o procedimento investigatório teve origem em notícia de que os representantes legais da empresa BBBRASIL, sediada na cidade de Santana do Parnaíba/SP, teriam desenvolvido um grande esquema de ‘pirâmide financeira’, sob o disfarce de realizar ‘Marketing Multinível’.

A partir de documentos obtidos junto à Procuradoria da República de Goiás/GO, teriam sido identificados elementos que demonstrariam a existência de um grande esquema de pirâmide financeira, envolvendo os ora representados. A EMBRASYSTEM – cujos nomes fantasia são UNEPXMIL e BBOM -, empresa sediada em Indaiatuba/SP, atuaria no mercado oferecendo a possibilidade de que os consumidores se associem ao Sistema BBOM, mediante o pagamento de uma taxa de associação e mensalidades pelo prazo de 36 meses, durante os quais os associados dedicam-se a arrebanhar novos associados, cada qual se comprometendo a pagar as mencionadas taxas e a trazer novos associados. A ‘atratividade’ do esquema estaria no pagamento das bonificações, que lhe daria características de autêntica pirâmide, pois quem entra depois no ‘sistema’ não consegue recuperar o seu investimento. O esquema BBOM seria o sucessor do TELEXFREE, conforme demonstrariam transações financeiras realizadas entre ambas as empresas e entre pessoas em comum. Relatório de Inteligência Financeira elaborado pela COAF dá conta de movimentação de quase R$ 500 milhões em contas da BBOM.

[…]

Argumenta o Ministério Público Federal que a aquisição de aparelhos rastreadores é utilizada como pretexto para disfarçar a pirâmide financeira. Sustenta que a BBOM é instituição financeira para fins penais e que o suposto investimento nada mais é do que um contrato de investimento coletivo, que dependeria de prévio registro para emissão pública perante a CVM. Defende o Procurador da República que existem indícios de diversos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, bem como de lavagem de capitais.

O magistrado deferiu os pedidos formulados pelo órgão de acusação esclarecendo, quanto a competência da Justiça Federal, o seguinte (fls. 1680/1705):

Inicialmente, considerando que as empresas investigadas têm sua sede em Santana do Parnaíba/SP e Indaiatuba/SP e que se trata, à primeira vista, de crime contra o sistema financeiro nacional, a competência para o processamento e julgamento do feito recai, em princípio, sobre uma das varas especializadas desta Capital, nos termos do Provimento 238/2004 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

CONCEITO PENAL DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.

Em brevíssima síntese, o pedido ora analisado se ancora na existência de indícios de que as empresas investigadas dissimulam a prática de ‘pirâmide financeira’ sob o disfarce de ‘marketing multinível’. Para a apreciação da medida, impõem-se algumas considerações prévias acerca do conceito penal de instituição financeira, estatuído no artigo 1º da Lei n.º 7.492/1986 nos seguintes termos:

[…]

Vê-se, pois, que o caput do artigo 1º da Lei n.º 7.492/1986, em sua primeira parte, estabelece uma definição geral de instituição financeira, alargada, em sua parte final, pela inclusão de entidades intermediárias do mercado de capitais. Já o parágrafo único alude a alguns entes que, embora não se enquadrem no conceito de instituição financeira, a ela devem ser equiparados para fins penais.

Daí é possível distinguir entre instituições financeiras em sentido próprio ou estrito (artigo 1º, caput, primeira parte), instituições financeiras atuantes no mercado de capitais (artigo 1º, caput, segunda parte) e instituições financeiras por equiparação (artigo 1º, parágrafo único).

[…]

Para o presente feito, interessa a instituição financeira por equiparação, mencionada no inciso I do parágrafo único. O dispositivo se refere a seguros, câmbio, consórcio ou qualquer tipo de poupança e, por fim, a ‘recursos de terceiros’.

Com a cláusula aberta ‘ou recursos de terceiros’, abarca-se todo tipo de captação e atuação – desde que exercido com habitualidade e intuito de lucro – com o dinheiro de terceiros. Em especial, estão aí compreendidos os famosos ‘esquemas Ponzi’ e ‘pirâmides financeiras’.

Ao final, o Juiz Federal estabeleceu o sequestro/arresto:

  1. a) de todos os valores mantidos em instituições financeiras, a qualquer título, em nome de EMBRASYSTEM – TECNOLOGIA EM SISTEMAS, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA (CNPJ 01.029.712/0001-04), BBRASIL ORGANIZAÇÕES E MÉTODOS LTDA (CNPJ 02.184.636/0001-66), JOÃO FRANCISCO DE PAULO (CPF 813.824.648-00), JEFERSON BERNARDO DE LIMA (CPF 331.307.638-64) e JOSÉ FERNANDO KLINKE (CPF 025.024.128-54). Tendo em conta que essa medida esta a ser efetivada via BACENJUD, que exige a inserção de um valor determinado, a ordem de bloqueio inicialmente será feita no valor de R$ 479.000.000,00 para cada uma dessas pessoas, referente ao total da movimentação indicada no RIF n.º 10138 do COAF, sem prejuízo de posteriores aumento/restrição da constrição. De todo modo, oficie-se também à 4ª Vara Federal de Goiânia/CO, solicitando que a presente medida recaia sobre os valores que tenham sido eventualmente bloqueados na Ação Cautelar Inominada n.º 17371-31.2013.4.01.3500;
  2. b) especificamente em relação a valores depositados em plano de previdência, oficie-se à ZURICH SANTANDER BRASIL SEGUROS E PREVIDÊNCIA, à BRASILPREV SEGUROS E PREVIDÊNCIA e ao UNIBANCO VIDA E PREVIDÊNCIA S.A., determinando o sequestro/arresto de todos os valores lá existentes em nome de JOÃO FRANCISCO DE PAULO (CPF 813.824.648-00), JEFFERSON BERNARDO DE LIMA (CPF 331.307.638-64) e JOSÉ FERNANDO KLINKE (CPF 025.024.128-54);
  3. c) dos bens imóveis já identificados pelo Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás nos autos da Ação Cautelar lnominada n° 0017371 -31.2013.4.01.3500 – oficie-se aquele Juízo solicitando a indicação de referidos bens;
  4. d) dos valores de RS 30.000.000,00, nas contas de QUANTA EDUCAÇÃO LTDA. (CNPJ 08.657.284/0001-03); R$ 30.000.000,00, nas contas de FRANCISCO GILDEVAN RIBEIRO SOARES (CPF 104.175.698-40); R$ 30.000.000,00, nas contas de CÉSAR AUGUSTO SANTOS PEREIRA (CPF 270.927.978-96); RS 245.000,00, nas contas de AUTOSTAR COMERCIAL E IMPORTADORES LTDA. (CPF 68.976.091/0001-39); R$ 1.241.693.57, nas contas de CRISTINA PARADELLAS DUTRA BISPO (CPF 017.949:567-43); R$ 31.500.000,00, nas contas de JULIANA COSTABILLE (CPF 335.212.408-60); R$ 12.600.000,00 nas contas de EXTRATO ELORA INDUSTRIA QUÍMICA. C.L. (CNPJ 02.039.120/0001-28); R$ 5.000.000,00, nas contas de APRECCIA INDÚSTRIA QUÍMICA (CNPJ 05.902.850/0001-07); R$ 1.000.000,00, nas contas de CRlSTINE STEWARD PUCCl (CPF 147.992.968-92) e de FERNANDA CAROLINE P. COSTABILE (CPF 226.872.958-33); RS 20.000.000,00, nas contas de M-COR HOLDING LTDA. (CNPJ 13.319.212/0001-88); R$ 20.000.000,00, nas contas de FORTE ADMINISTRAÇÃO E INCORPORAÇÃO LTDA. (CNPJ 17.891.667/0001-24); e R$ 1.000.000,00, nas contas de FÁBIO EDUARDO DIAS CONDE (CPF 182.722.788-55);

Além disso, determinou a expedição:

[…] dos competentes mandados de busca e apreensão dos seguintes veículos:

[…]

Os mandados de busca e apreensão dos bens de propriedade da EMBRASYSTEM deverão ser cumpridos no endereço da empresa e no endereço da BBRASIL ORGANIZAÇÃO E MÉTODOS LTDA., aparente sucessora daquela nos negócios tidos como ilícitos. Sem prejuízo, promova-se, no sistema RENAJUD, o bloqueio total de circulação dos referido veículos. O pedido de alienação antecipada será apreciado posteriormente à realização da apreensão dos veículos.

Em 16 de agosto de 2013, foi instaurado, por requisição do Ministério Público Federal, o Inquérito Policial n.º 0196/2013-11.

Contra a decisão judicial insurgiu-se a defesa.

No entanto, o pedido liminar foi indeferido, apresentando o Desembargador Relator os seguintes fundamentos (fls. 1656/1668):

Como se vê, a decisão que decretou o sequestro/arresto de bens foi satisfatoriamente fundamentada, expostos indícios de materialidade e autoria delitiva.

A despeito de os fatos subjacentes caracterizarem, em tese, delito contra a economia popular, tal não exclui, peremptoriamente, possibilidade de tipificação de delito contra o Sistema Financeiro Nacional, considerando que as investigações, que recaem sobre complexo esquema empresarial, não foram ultimadas, não sendo apropriada a definição da competência para processamento e julgamento do caso pela via estreita do habeas corpus.

Afora isso, o habeas corpus é remédio predestinado a proteger o direito de liberdade supostamente violado por ato da autoridade impetrada, característica que, em alguma medida, o distancia como modalidade processual idônea para arrostar constrição patrimonial.

Nada há a obstar, por ora, o regular seguimento do Inquérito Policial n. 0196/2013-11, cujo trancamento, pela via do habeas corpus, é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, o que não foi demonstrado in casu. Sem prejuízo de um exame mais acurado quando do julgamento do mérito deste habeas corpus, INDEFIRO o pleito liminar.

Requisitem-se as informações da autoridade impetrada.

Após, dê-se vista à Procuradoria Regional da República.

No Superior Tribunal de Justiça, sustentam os impetrantes que o indeferimento da medida emergencial pelo Relator na origem é “flagrantemente ilegal, porque as medidas constritivas foram determinadas por autoridade judicial manifestamente incompetente, qual seja, o Juízo Federal Substituto da 6ª Vara Criminal de São Paulo, que, além de incompetente, vem desproporcionalmente, protraindo constrição drástica incidente sobre o patrimônio dos impetrantes, bem como compactuando com medida que interfere no direito de ir e vir” (fl 10).

Assinalam que o raciocínio desenvolvido pelo Relator “abriga uma inversão do sistema, já que, se os fatos concretizam, em tese, crime contra a economia popular, em princípio, ou de início, a competência para o processo e julgamento é da Justiça Estadual, nos estritos termos do Enunciado n.º 498 da jurisprudência da Suprema Corte

de Justiça. Se, posteriormente, lá, na Justiça Estadual comum, forem constatados outros fatos que tipifiquem delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, aí sim, o processo deverá ser remetido para o Juízo Federal” (fl. 11).

Esclarecem que, para o órgão central do sistema financeiro nacional – Banco Central do Brasil – as empresas investigadas não desenvolvem atividades típicas de instituições financeiras, não sendo possível se cogitar, portanto, de crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Assinala, assim, não existir “a mínima possibilidade de que qualquer investigação venha a caracterizar a conduta imputada aos impetrantes como delito contra o Sistema Financeiro Nacional, nem pelo art. 16 da Lei n.º 7.492/1986, nem por qualquer outro dispositivo do mesmo diploma legal, uma vez que somente os entes que se enquadrem no conceito de instituição financeira, definidos no art. 1º e parágrafo único da Lei n.º 7.492/1986, é que respondem pelos tipos penais nela estabelecidos” (fl. 17).

Por derradeiro, asserem que o Relator da decisão em discussão “não se pronunciou em relação ao outro fundamento da impetração, qual seja, o excesso de prazo das medidas constritivas determinadas, incorrendo, destarte, com todas as vênias, em omissão na prestação jurisdicional” (fl. 23).

Diante dessas considerações, pedem, em tema liminar, a suspensão dos efeitos dos atos impugnados, bem como da tramitação do inquérito policial, até o julgamento definitivo do presente habeas corpus.

No mérito, buscam a anulação dos atos praticados pela autoridade judicial incompetente, determinando-se o levantamento dos sequestros/arrestos efetivados contra os pacientes. Além disso, requerem a extinção do inquérito policial em trâmite junto à Polícia Federal, ou seja ele submetido ao crivo da autoridade judicial do Estado.

Sucessivamente, pleiteiam seja levantado o sequestro/arresto, por excesso de prazo, com base no art. 131, inciso I, do Código de Processo Penal.

Brevemente relatado, decido.

Conquanto se esteja aqui impugnando o indeferimento da liminar na origem, afigura-se-me, entretanto, tratar-se de provável teratologia, motivo por que entendo prudente a superação do enunciado n.º 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, na esteira da jurisprudência desta Corte.

Ao ensejo:

HABEAS CORPUS . ARTIGO 50, INCISOS I, E PARÁGRAFO ÚNICO, INCISOS I E II, COMBINADOS COM O ARTIGO 51 DA LEI 6.766/1979 (LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO). LIMINAR. INDEFERIMENTO. NÃO CABIMENTO. SÚMULA 691 DO STF. SUPERAÇÃO DO ÓBICE CONSTANTE DO VERBETE SUMULAR EM FACE DA FLAGRANTE ILEGALIDADE CONTIDA NA DECISÃO IMPUGNADA. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO WRIT.

  1. Segundo orientação pacificada neste Superior Tribunal, é incabível habeas corpus contra indeferimento de medida liminar, superando-se o óbice inserto na Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal apenas em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada, circunstância evidenciada no caso em tela.
[…]
  1. Ordem parcialmente concedida, apenas para revogar o decreto de prisão preventiva dos pacientes. (HC n.º 147.853/SP, Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe de 25/8/2011.)

No caso em desfile, como vimos dos trechos acima transcritos, as empresas investigadas praticavam, em tese, atividades compreendidas no conceito de pirâmide financeira, caracterizada pela oferta aos seus associados de perspectiva de lucros futuros cujo pagamento depende do ingresso de novos investidores.

Observem que, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a mencionada atividade corresponde a crime contra a economia popular, de competência da Justiça Estadual, nos moldes do enunciado n.º 498 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, confira-se o Conflito de Competência n.º 115.642/SP, Relator o Ministro Og Fernandes:

Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo contra o Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária de São Paulo – DIPO – 3. Depreende-se dos autos que foi instaurado inquérito policial com vistas à apuração do delito previsto no art. 16, da Lei 7.492/86 supostamente praticado pelos representantes legais da empresa Lestcred Serviços Ltda.

Conforme apurado, os investigados, por intermédio da pessoa jurídica mencionada, realizavam vendas de cartões de desconto, em que a bonificação estaria condicionada na indicação de outras pessoas para se associarem e ainda pelo pagamento de taxa de adesão e mensalidade. O MM Juízo de Direito, acolhendo manifestação do Parquet, remeteu o processo à Justiça Federal sob a alegação de que a conduta da empresa investigada caracterizava crime contra o Sistema Financeiro Nacional. O Juízo Federal de São Paulo/SP, por sua vez, suscitou o presente conflito de competência ao fundamento que: (…) O objeto principal da investigação é averiguar o chamado “golpe da pirâmide”, conduta esta que se enquadra no art. 2, IX, da Lei nº 1.521/51 (crimes contra a economia popular)(…) Destarte, pouco importa se a referida empresa possuía ou não autorização do BACEN, visto que sua atividade não se enquadra na definição jurídica do art. 1º, da Lei nº 7.492/86. (Fl.149/150) O Ministério Público Federal manifestou-se, às fls. 237/238, pela competência da Justiça

Estadual. Decido.

Com razão o parecerista.

Do exame mais detalhado dos autos, não se verifica que a conduta dos investigados tenha acarretado prejuízo a bens, interesses ou serviço da União. Ao que se tem, os investigados operavam cartões de desconto em que as bonificações somente ocorriam caso as supostas vítimas indicassem novos associados, tudo mediante pagamento de taxa de adesão e mensalidade. A ação delituosa dos autos, em tese, não estava na captação ou gestão ilegal de recursos financeiros de terceiros. Conforme bem salientado pelo Ministério Público Federal em seu parecer: (…) A despeito da irregularidade da empresa para atuar como instituição financeira, não se vislumbra nos autos lesão a bem, interesse ou serviço da União capaz de estabelecer a competência da justiça federal. Portanto, uma vez que a conduta se subsume, em tese, ao delito previsto no art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/51 – crime contra a economia popular -, deve ser fixada a competência da justiça estadual paulista. (Fl. 238). Portanto, ante a ausência de demonstração de qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União ou do Sistema Financeiro Nacional, tal como exige o art. 109, incisos IV e VI da Constituição Federal, afastada está a competência da Justiça Federal para o exame do feito. Nesse sentido:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. ESTELIONATO. LEI 7.492/86. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. INOCORRÊNCIA. LESÃO SOMENTE A PARTICULARES.

  1. Não há falar em crime contra o Sistema Financeiro Nacional, previsto na Lei n.º 7.492/86, quando a conduta dos indiciados tem projeção apenas no âmbito dos particulares, sem qualquer lesão a serviços, bens ou interesses da União.
  2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 3ª Vara Criminal de São José dos Campos-SP, o suscitante. (CC nº 36.513/SP, DJ de 17.03.2003, Rel. Min. Fernando Gonçalves).

Diante de tais considerações, conheço do conflito de competência e declaro competente o suscitado, Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária de São Paulo – DIPO – 3.

Na espécie, assinalou o magistrado, com o objetivo de justificar a competência da Justiça Federal, desenvolverem as pessoas jurídicas funções típicas de instituições financeiras, fato, a seu ver, suficiente a caracterizar o crime do art. 16 da Lei n.º 7.492/1986. No entanto, o entendimento desta Corte sobre o tema é diferente do exposto pela instância de origem. Confira-se:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. COMPRA PREMIADA. INEXISTÊNCIA DE CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. PREJUÍZO SUPORTADO POR PARTICULARES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

  1. As operações denominadas compra premiada ou venda premiada – caracterizadas pela promessa de aquisição de bens, mediante formação de grupos, com pagamentos de contribuições mensais e sorteios, cujos contemplados ficam exonerados de adimplir as parcelas restantes – não constituem atividades financeiras para fins de incidência da Lei n. 7.492/1986.
  2. Embora a prática não configure crime contra o Sistema Financeiro Nacional, o eventual dano causado a particulares pode ser tipificado como crime de estelionato, de competência da Justiça estadual.
  3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara de Balsas/MA, o suscitado. (CC n.º 121146/MA, Relator o Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 25/6/2012.)

No mesmo sentido, a manifestação do Diretor de Fiscalização do Banco Central do Brasil (fls. 517/518):

Após análise detalhada da documentação encaminhada por Vossa Excelência, a Procuradoria Geral do Banco Central do Brasil e o Departamento de Supervisão de Cooperativas e de Instituições Não Bancárias – DESUC, concluíram, com base na Orientação Técnica n.º 2/2011 e em reiteradas manifestações proferidas em casos semelhantes, que as atividades desempenhadas pela empresa BBOM se enquadram no conceito de pirâmide financeira, que podem configurar, em tese, crimes contra a economia popular e até de estelionato, mas não se enquadra em qualquer atividade que atrairia a atuação fiscalizadora de competência desta autarquia. Por outro lado, a referida atividade ilegal, que apresenta elementos distintivos dos consórcios marginais, escapa ao rol de atribuições institucionais do Banco Central do Brasil, sendo a conduta apurada passível de tipificação penal comum, cometida contra uma coletividade de pessoas, e não de ilícito administrativo referente ao funcionamento irregular de entidades submetidas à fiscalização desta autarquia, ou mesmo de crime contra o Sistema Financeiro Nacional, que atrairia a atuação do Banco Central para assistir o Ministério Público. Por essa razão, cabe exclusivamente aos órgãos de persecução penal a adoção das medidas necessárias para reprimir as atividades delitivas ora examinadas.

Diante dessas considerações, forçoso reconhecer, em juízo de cognição limitada e provisória, a plausibilidade da alegação defensiva no sentido de que os atos desenvolvidos pelas empresas investigadas não caracterizam atividades financeiras típicas, nos moldes do art. 1º da Lei n.º 7.492/1986, pois não há – ao menos à luz dos dados que instruem a impetração – descrição de atos de captação, intermediação ou aplicação de recursos de terceiros. Na realidade, trata-se, somente, de pessoas atraídas a partilhar do negócio acreditando que serão capazes de angariar novos participantes e, dessa forma, receber recompensas.

Ora, a garantia do juiz natural não se restringe ao direito de ser o acusado processado e julgado por órgão previamente estabelecido, se aplicando igualmente às hipóteses de restrição de direitos fundamentais no curso da persecução criminal, notadamente as que pressupõem autorização judicial, como o sequestro e arresto de bens. Nessa moldura, afiguram-se-me atendidos, na espécie, os pressupostos autorizadores da medida emergencial, pois, ao que parece, as medidas constritivas foram decretadas por magistrado absolutamente incompetente.

Isto posto, defiro parcialmente a liminar apenas para determinar a liberação, mediante prévia comprovação dos encargos e de sua regularidade, dos valores dos ativos financeiros das empresas EMBRASYSTEM – TECNOLOGIA EM SISTEMAS, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA – e BBRASIL ORGANIZAÇÕES E MÉTODOS LTDA, suficientes para fazer face ao pagamento:

a) do salário regular e das verbas trabalhistas dos funcionários das empresas, sem nenhum tipo de bônus extra não previsto em contrato prévio;b) das despesas necessárias à manutenção do funcionamento das empresas, como, por exemplo, material de expediente, material de serviço, água, luz, telefone, peças de reposição e conserto das mercadorias vendidas. Tudo mediante a apresentação prévia de documento que demonstre a origem e existência da dívida;

c) dos tributos devidos pelas empresas, também mediante a demonstração da regularidade dos recolhimentos.

Esta decisão terá validade até o julgamento definitivo do presente habeas corpus pela E. Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Comunique-se com urgência o teor desta decisão à autoridade apontada como coatora e ao magistrado singular, encarecendo-lhes o envio de informações.

Após, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 30 de abril de 2014.

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator”

Proc. Relacionado: HC nº 293.052 – SP

 

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