Na Justiça Federal
Eustáquio Nunes Silveira
Juiz do Tribunal Federal da 1ª Região e professor de Direito Processual da AEUDF
-INTRODUÇÃO – A Lei n° 9.099/95, de 26 de setembro de 1995, dispôs sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, regulamentando o inciso I do art. 98 da atual Constituição da República. Esses juizados, como órgãos, deverão ser criados (alguns já o foram) pelos estados-membros, em suas justiças ordiná¬rias, e pela União, no Distrito Federal e nos Territórios (federais, se e quando
houver).
A princípio, portanto, o diploma legal nada teria a ver com a Justiça Federal e a sua competência constitucional. Qualquer lei que se aventurasse a instituir orgão seme¬lhante ao lado dos Juízos Federais seria fulminada com a eiva da inconstitucionalida¬de, pois que o constituinte só admitiu que a União o criasse no Distrito Federal e nos territórios, que têm Justiça própria, inconfundível com qualquer outra.
Quando o Conselho da Justiça Federal submeteu proposta feita nesse sentido aos tribunais Regionais Federais, levantei essa questão de inconstitucionalidade, não muito bem aceita por alguns colegas do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (o no¬me deveria ser Tribunal de Justiça Federal), embora o meu entendimento tenha aca¬bado por prevalecer. Para melhor esclarecimento, consulte-se o professor da PUC do
Rio Grande do Sul, César Roberto Bitencourt. _
No entanto, a lei em epígrafe não é uma norma instituidora de juizados especiais, mas uma lei que estabeleceu regras processuais atinentes a determinadas causas e crimes, criando institutos jamais ousados no direito brasileiro. Dentre esses, despon¬ta a suspensão condicional do processo, perfeitamente aplicável no âmbito da Justiça Federal.
II – DA COMPETÊNCIA
O art. 60 da lei em comento dispôs que o Juizado Especial Criminal tem competên¬cia para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor po¬tencial ofensivo, isto é, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedi¬mento especial (art. 61). Afastada a possibilidade das contravenções penais, pode-se imaginar um crime em detrimento do patrimônio, serviços ou interesses da União, suas autarquias e empresas públicas cuja pena privativa de liberdade máxima seja igual ao inferior a um ano (prevaricação e condescendência criminosa, praticada por 1 funcionário público federal, por exemplo). Nesse caso, prevalece a competência dos Juízos Federais, que, por ter sede específica na Constituição, não se declina em favor dos Juizados Especiais Criminais, de âmbito restritamente local. O procedimento será, a princípio, o previsto no Código de Processo Penal.
Há, contudo, questões interessantíssimas a dirimir.
Um crime de lesões corporais culposo ou de lesões corporais de natureza leve pode se constituir em infração que atinja os serviços ou interesses da União, autarquias
e empresas públicas federais. Com efeito, a jurisprudência do extinto Tribunal Federal de Recursos (por que a denominação não permaneceu?) já se firmara no sentido
de que tais crimes, quando cometidos contra funcionários público federal no exercício de suas funções, ou em razão das mesmas, são de competência dos juízes federais (Súmula n° 98- TFR). A construção pretoriana é absolutamente equivocada, porque a competência criminal da Justiça Federal (CF art. 109, IV) se estabelece em razão do bem jurídico protegido, que, no crime de lesões corporais é a integridade física da pessoa e, no de homicídio, é a vida. Mas a jurisprudência existe. Pergunta-se, então: haveria necessidade, nesses casos, de que a ação penal ficasse condicionada à representação da vítima ou de seu representante legal e a possibilidade de aplicação
imediata da pena de multa ou restritiva de direitos (lembre¬
se que a pena restritiva de liberdade pode ser substituída por restritivas de direito, CP, art. 44), por meio de transação celebrada entre o Ministério Público e o au¬tor do fato? Poderia, ademais, haver homologação da composição dos danos civis, com força de renúncia ao direito de representação e conseqüente extinção da pu¬nibilidade?
A resposta, na primeira hipótese, é positiva; nas outras, nem tanto.
O art. 88 da mencionada Lei nº 9.099, ao prescrever a representação como condição para a ação penal relati-
va aos crimes de lesões corporais leves e lesões culpo¬sas, é norma genérica, inserida nas disposições finais, que revogou, nessa parte, o Código Penal. Dessa forma, se acontecer de um desses delitos ser de competência (do Juízo Federal, a ação será pública condicionada, ou I seja, o Ministério Público só poderá oferecer denúncia ( mediante representação da vítima ou de seu represen-
Lei n° 9.099/95 não é uma norma instituidora de juizados especiais, mas uma lei que estabeleceu regras processuais atinentes a determinadas causas e crimes e criou novos institutos processuais”
tante legal. No caso de processos em tramitação, a parte legitimada deverá ser inti¬mada para oferecer a representação no prazo de trinta dias, sob pena de o juiz decre¬tar a decadência (art. 91).
A possibilidade, contudo, da aplicação imediata de pena não privativa de liberda¬de deve ser afastada, tendo em conta que tal procedimento s6 se verifica na fase pre¬liminar do procedimento sumaríssimo perante o Juizado Especial Criminal. Trata-se de norma especial, não derrogativa do Código de Processo Penal.
O mesmo acontece com relação à transação acima referida.
Primeiramente, não se pode perder de vista, nos casos de que se trata, que a com¬petência do Juízo Federal tem justificativa no fato de que o crime foi praticado em de¬trimento de serviços ou interesses de um ente público, conforme a interpretação da¬da pela jurisprudência, não se cuidando, destarte, da integridade física da pessoa. De modo que fica difícil aceitar -se que esta transacione em nome de um direito tutelado que não é propriamente dela, mas público.
Em segundo lugar, essa providência consta da mencionada fase preliminar do procedimento sumaríssimo de competência exclusiva dos Juizados Especiais. .
II – Suspensão do processo – A lei em referência criou, também, o instituto da suspensão do processo. Segundo o se artigo 89, nos crimes ‘em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o Ministério Público, ao oferecer a denún¬cia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acu¬sado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime e se presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena. A proposta deverá ser aceita pelo acusado e seu defensor, na presença do juiz, sendo que este, então, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, rujas condições não se diferenciam do sursis. Se não for aceita a proposta, ao processo deverá prosseguir normalmente. Uma vez transcorrido o prazo de prova sem revogação, será extinta a punibilidade.
Esse instituto é perfeitamente aplicável à Justiça Federal, pois são inúmeros os de¬litos de sua competência ruja pena mínima cominada não ultrapassa a um ano, v.g.,
? contrabando ou o descaminho.
Segundo esclarecem Damásio E. de Jesus e Luiz Flávio Gomes (l), essa medida des-penalizadora tem natureza penal. Logo, estamos diante de lei penal nova mais benéfi¬ca. que deve ser aplicada tanto imediatamente, por ser desdobramento dos direitos e garantias fundamentais (CF, art. 5°, § 1°), como retroativamente (CF, art. 5°, inc. XL). Conseqüentemente, colide com a Lei Maior o artigo 90 da Lei n° 9.099/95, que prevê a aplicação de suas disposições apenas aos processos penais cuja instrução ainda não es¬teja iniciada. Desse modo, concluem os autores citados, não importa se os casos em curso já contam ou não com instrução iniciada; a todos incidem as medidas despena¬lizadoras retroativamente, pouco importando a fase processual, com ou sem senten¬ça, em grau de recurso etc. O Único limite é o trânsito em julgado, ou seja, é impossível aplicar institutos processuais a processo já findo.
Tenho para mim que tal entendimento está absolutamente correto. Mesmo que
? processo se encontre com sentença, mas desde que sem trânsito em julgado, de¬ve-se abrir ao acusado a oportunidade de se manifestar sobre a proposta de sus¬pensão condicional, já que esta poderá resultar na extinção da punibilidade. Co¬mo relator de diversas apelações criminais, assim procedi, abrindo vista ao órgão do Ministério Público Federal, cujos representantes perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em sua quase absoluta maioria, atenderam aos meus recla¬mos.
Questão que se me afigura de alta indagação é saber se a proposta de suspensão condicional do processo é poder-dever do Ministério Público ou se este, mesmo diante dos seus pressupostos, pode deixar de assim proceder. E mais: se o juiz pode, sem a iniciativa do órgão ministerial, ou seja, à sua revelia, conceder a suspensão. Resumindo: a suspensão do processo seria direito público subjetivo do acusado?
Sem pretender ingressar em uma longa discussão a respeito do tema, pela própria natureza do presente trabalho, acredito que a jurisprudência deverá caminhar no sentido de afirmar a impossibilidade de o juiz agir ex offício, mas, por outro lado, ad¬mitirá que, uma vez presentes os requisitos para a sua obtenção, o pedido de suspen¬são condicional do processo parta do acusado, sem que a iniciativa seja exclusiva do
. Ministério Público. .
IV – Conclusões – De tudo o que acima ficou dito, podem-se tirar as seguintes conclusões:
1ª) Juizado Especial não pode ser criado no âmbito da Justiça Federal;
2a) Alei n° 9.099/95 não é uma norma instituidora de juizados especiais, mas uma lei que estabeleceu regras processuais atinentes a determinadas causas e crimes e criou novos institutos processuais;
3a) Existem crimes enquadráveis no conceito de delitos de pequeno potencial ofensivo que continuam sendo de competência da Justiça Federal e que deverão con¬tinuar a ser processados de acordo como CPP;
4a) Nos crimes de lesões corporais de natureza leve e lesões corporais culposas, que eventualmente possam ser de competência dos juízos federais a ação penal é pú¬blica condicionada, não havendo possibilidade de aplicação imediata de pena restri¬tiva de direitos nem de composição dos danos civis com força para levar à extinção da punibilidade;
5ª) A suspensão do processo aplica-se imediata e retroativamente, tendo, como li¬mite’ apenas, o trânsito em julgado da sentença
(l) Lei dos Juizados Criminais: primeiras Questões controvertidas – Jesus. Damásio,
E. e outros, Folha de S.Paulo, 3.1.96, 3.2
(2) Aplicação da Lei nº 9.099/95 aos Processos em Andamento – Filho, Petrônio Cal-
Mon – inédito.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column width=”5/12″][mpc_grid_posts cols=”1″ gap=”0″ taxonomies=”3″ order=”DESC” items_number=”5″ layout=”style_9″ title_overflow=”true” title_font_color=”#ffffff” title_font_size=”18″ title_font_transform=”uppercase” meta_layout=”date” meta_font_color=”rgba(255,255,255,0.01)” meta_link_color=”#ffffff” meta_tax_separator=”” description_disable=”true” background_color=”rgba(255,255,255,0.01)” border_css=”border-color:rgba(0,0,2,0.01);” mpc_button__disable=”true” class=”artg”][/vc_column][/vc_row]